
Para quem pratica exercício físico regularmente, a ideia geral (e desinformada) é muito flexível = muito bom. Nas aulas de educação física do secundário, gabávamo-nos de fazer a espargata sem hesitação, de executar a ponte com um só movimento e de chegarmos com os dedos ao chão sem precisar de fletir os joelhos. Mas será isso demais? Será que podemos ser demasiado flexíveis? O professor de yoga Jean Pierre de Oliveira avisa que sim. Mais, avisa que é a tendência para hiperflexibilidade que nos impede de trabalhar melhor os músculos, esforçando antes a articulação! E a ciência concorda.
Pouco se fala sobre hiperflexibilidade mas estima-se que afeta mais de 30% da população, na maioria mulheres. Sem consequências nefastas ou sintomas óbvios, muitas vezes não é sequer diagnosticada. Simplifiquemos: sofre de hiperflexibilidade quem têm uma grande amplitude nas articulações, conseguindo estendê-las sem resistência ou dor. São aliás essas ausências – de resistência e de dor – que promovem o engodo de que a hiperflexibilidade é positiva. O que não sabemos é que articulações móveis são geralmente sinónimo de ligamentos frouxos e têm consequências menos felizes a longo prazo: tendinites e bursites, desvios na coluna e joelhos, até incontinência. Mas será isso o fim do mundo? Nada disso. Felizmente, há o yoga!
O método de Beighton
«A hipermobilidade não tem cura», avisa Jean Pierre. «Mas podemos contrariar a nossa tendência para colocar esforço desmedido, e desnecessário, nas nossas articulações». Esse é um dos segredos que aprendemos com uma prática regular de yoga: como melhor alinhar o nosso corpo para o exercício.
Porque a hiperflexibilidade é, muitas vezes, a barreira que não lhe permite continuar a progredir no seu treino e é essa tendência para esforçar as articulações (e não os músculos) que nos impede de atingir objetivos como perder peso, ganhar massa muscular ou desenvolver resistência; o truque está na consciência da sua hiperflexibilidade.
Como saber então se é hiperflexível? Os consensos são difíceis. Mas há um método que a generalidade dos médicos e fisioterapeutas aceita: o de Beighton. Consiste numa série de cinco simples testes que comprovam a elasticidade do nosso corpo nas suas principais articulações: joelhos, cotovelos, pulsos e dedos. Quer outra prova de fogo? Na próxima aula de yoga a que assistir, compare o seu grau de dificuldade nas posturas de torção com o das outras pessoas. E se o professor lhe corrigir o alinhamento e lhe pedir menor amplitude no movimento, já sabe: é hiperflexível. E todo o cuidado é pouco.
To yoga or to yoga!
Cuidado, sim! Parar, não! Se os maus alinhamentos na prática do exercício são, ao mesmo tempo, causa e efeito da hiperflexibilidade, a verdade é que bons alinhamentos na prática de exercício são a sua solução. Só assim poderá fortalecer os músculos ao redor das articulações. E é aqui que o yoga se distingue da maioria das outras atividades: na consciência que oferece do nosso corpo e da amplitude de movimento normal de cada articulação. Protetores e talas para pulsos, joelhos e outras zonas sensíveis também ajudam, claro.
A maioria dos instrutores de yoga têm ‘olho’ para detetar o problema, já que são peritos na biomecânica dos nossos corpos. Por exemplo, em trikonasana (postura de descanso em que o corpo assume a forma de um V invertido), um praticante hiperflexivel vai esticar a perna, bloqueando o joelho. «Chamamos a isto ‘perna de galinha’», explica Jean Pierre. «Por causa dessa tendência para esforçar a articulação em vez do músculo, a perna faz um arco no sentido contrário ao que deveria», acrescenta. A solução está em criar proteção e estabilidade ao joelho: a perna estica mas o joelho fica ‘solto’.
Há, inclusive, posturas de yoga que obrigam os praticantes a contrariar a sua hiperflexibilidade, obrigando a uma maior (e melhor) consciência corporal: a pose do guerreiro (virabadrasana) e a postura da grinalda (Malasana) são duas das mais úteis.
Procure ainda ter sempre algumas ideias em mente durante a sua prática: mexa os dedos dos pés para manter o pé ativo e criar a atividade muscular desejada; levante o dedo grande do pé sempre que quiser estabilizar o tornozelo; tome consciência do arco do seu pé (um arco insuficiente ou exagerado distribuiu mal o peso do corpo); em posturas neutras obrigue a coxa a voltar-se para dentro retirando pressão das virilhas; mantenha sempre uma ligeira báscula da bacia para ter as costas longas e coluna ativa. Os conselhos são do Jean Pierre. E recomendam-se.
*para ler também na edição de março da Reiki e Yoga (chega hoje às bancas).
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