
Por Francisco Cruz,
responsável pela Coordenação da equipa de enfermagem
no Serviço de urgência Psiquiátrica do Hospital de São José
Quando olhamos a vida moderna onde nos integramos o que ressalta à primeira vista é a nossa falta de tempo, a corrida em que andamos entre múltiplos afazeres profissionais, familiares, burocracias, expectativas, esperas… Tentamos chegar a todo o lado, dar resposta a tudo. Isto é particularmente verdade para muitas mulheres e traduz-se numa vida muito mais complexa do que podemos percepcionar num primeiro olhar. Conciliam de forma quase heróica (e estóica) a vida profissional e a vida familiar. O tempo para as exigências profissionais e o tempo para a família, para as pequenas/grandes coisas que sentem como muito importantes é vivido no cume da navalha. Por vezes o cuidar da família, tempo para ser mãe, esposa, profissional, obriga a uma flexibilidade e a uma capacidade interna de resistência sem igual. Tentar supervisionar tudo e estar disponível para tudo resulta em corridas imparáveis (e na maior parte das vezes com um sorriso, um ar de quem está pronta para ir correr a maratona. E isto acarreta uma dissipação emocional e interna. São estes desgastes que não se podem avaliar pelo aspecto que temos, o ar de cansaço ou a frescura e o sorriso na cara.
Também faz parte da vida moderna uma escalada, sem precedentes, de crises de ansiedade, pânico, quadros depressivos, situações fobicas, fibromialgia, incapacidade em gerir problemas e expectativas e acima de tudo um ‘desligar’ dos valores centrais que contribuem para uma vida mais feliz. Nunca se consumiram tantos ansiolíticos e antidepressivos como nos últimos anos, nunca se procurou tanto proporcionar de uma forma química aquilo que foi sendo sonegado pelas múltiplas situações promotoras de conflitos e que estão na génese de todas estas situações, e que mais não traduzem do que uma fractura interna, uma ruptura com o nosso equilíbrio e com a nossa capacidade de resiliência.
Se por um lado é quase inevitável sofrermos as consequências da vida nas sociedades modernas também não é menos verdade que está ao nosso alcance contrariar esta escalada e a instalação de muitas situações, que num futuro relativamente próximo nos podem isolar em situações de incapacidade, disfuncionalidade e mesmo de doença. Há cada vez mais pessoas que procuram, de forma efectiva, resolver e contrariar esta situação, e com bastante sucesso. Aqui a palavra central é a prevenção. É importante ter a noção que é essencial actuarmos antes de surgirem os conflitos internos, as crises de pânico, as dores osteoarticulares e os múltiplos desconfortos que sinalizam de forma perceptível o nosso mal-estar emocional e interno.
Quero ressalvar, no entanto, uma ideia, que se está a tornar muito habitual, a ideia de que quem fica deprimido ou apresenta alguma manifestação de desgaste físico, mental e emocional é alguém fraco ou incapaz. Para muitas pessoas só os fracos têm crises de pânico e ansiedade. Só os que se deixam cilindrar pela vida têm fibromialgia, gastrites, insónia, fobias. Nada poderia ser mais falso e mais afastado da realidade. São, isso sim, pessoas que atingiram o seu limite, que têm estado numa luta contínua e desgastante e já não conseguem carregar o fardo sozinhas. Não é prova de incapacidade ou de fragilidade, mas sim de luta constante e de desgaste interno muito intenso. E em muitas circunstâncias a ruptura e as consequências destas batalhas é tal, que muitos não conseguem encontrar o caminho de volta. Colocam-se então grandes questões, possivelmente as mais importantes: O que está ao meu alcance fazer? O que está dependente de mim? Como posso contrariar este desgaste constante? Como estruturar as minhas prioridades? O que preciso alterar na minha vida?
Há algumas regras de ouro que podem ajudar. Compreendamos cada uma delas como a estrutura base de uma boa prevenção na escalada de sofrimento interno:
– Ter consciência de que respiro e aprender a respirar.
– Treinar, pausadamente, a minha capacidade de, independentemente de onde estiver, conseguir parar e simplesmente concentrar-me na minha respiração.
– Praticar Yoga.
– Praticar exercício físico.
– Desenvolver a capacidade de conhecer as minhas emoções. Estar atento ao que sinto.
– Não categorizar o que sinto como bom ou mau, positivo ou negativo. O que sinto é o que é.
– Treinar a capacidade de ‘deixar ir‘. Não prender as minhas emoções. Deixa-las fluir sem apegos ou sofrimento.
– Desenvolver a minha assertividade e congruência.
– Aceitar que na vida há momentos de magoa e dor. Aceitar que na vida há momentos de perda.
– Encontrar sempre o melhor em cada situação. Há sempre um caminho no meio das nossas vivências e dificuldades.
– Aprender com os fracassos e os insucessos.
– TER A CAPACIDADE DE PERDOAR.
– TER A CAPACIDADE DE ME PERDOAR.
Tudo isto não é algo que possamos encomendar numa loja ou comprar on-line. Isto é um programa de vida e para a vida, algo que se constrói com o tempo e com a minha consciência. Numa ocasião alguém me perguntava quanto tempo levaria a atingir um patamar de bem-estar e felicidade aplicando estas técnicas e orientado-se por estas opções!? A resposta certa é uma vida inteira. Tudo isto é um projecto para a vida. Um projecto nunca concluído, sempre melhorado, sempre mais feliz e saudável. Não é uma meta em si mesmo, é um caminho.
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