Ter a capacidade de perdoar.

Jean Pierre de Oliveira
Foto por Mário Fragoso

Por Francisco Cruz,
responsável pela Coordenação da equipa de enfermagem
no Serviço de urgência Psiquiátrica do Hospital de São José

Quando olhamos a vida moderna onde nos integramos o que ressalta à primeira vista é a nossa falta de tempo, a corrida em que andamos entre múltiplos afazeres profissionais, familiares, burocracias, expectativas, esperas… Tentamos chegar a todo o lado, dar resposta a tudo. Isto é particularmente verdade para muitas mulheres e traduz-se numa vida muito mais complexa do que podemos percepcionar num primeiro olhar. Conciliam de forma quase heróica (e estóica) a vida profissional e a vida familiar. O tempo para as exigências profissionais e o tempo para a família, para as pequenas/grandes coisas que sentem como muito importantes é vivido no cume da navalha. Por vezes o cuidar da família, tempo para ser mãe, esposa, profissional, obriga a uma flexibilidade e a uma capacidade interna de resistência sem igual. Tentar supervisionar tudo e estar disponível para tudo resulta em corridas imparáveis (e na maior parte das vezes com um sorriso, um ar de quem está pronta para ir correr a maratona. E isto acarreta uma dissipação emocional e interna. São estes desgastes que não se podem avaliar pelo aspecto que temos, o ar de cansaço ou a frescura e o sorriso na cara.

Também faz parte da vida moderna uma escalada, sem precedentes, de crises de ansiedade, pânico, quadros depressivos, situações fobicas, fibromialgia, incapacidade em gerir problemas e expectativas e acima de tudo um ‘desligar’ dos valores centrais que contribuem para uma vida mais feliz. Nunca se consumiram tantos ansiolíticos e antidepressivos como nos últimos anos, nunca se procurou tanto proporcionar de uma forma química aquilo que foi sendo sonegado pelas múltiplas situações promotoras de conflitos e que estão na génese de todas estas situações, e que mais não traduzem do que uma fractura interna, uma ruptura com o nosso equilíbrio e com a nossa capacidade de resiliência.

Se por um lado é quase inevitável sofrermos as consequências da vida nas sociedades modernas também não é menos verdade que está ao nosso alcance contrariar esta escalada e a instalação de muitas situações, que num futuro relativamente próximo nos podem isolar em situações de incapacidade, disfuncionalidade e mesmo de doença. Há cada vez mais pessoas que procuram, de forma efectiva, resolver e contrariar esta situação, e com bastante sucesso. Aqui a palavra central é a prevenção. É importante ter a noção que é essencial actuarmos antes de surgirem os conflitos internos, as crises de pânico, as dores osteoarticulares e os múltiplos desconfortos que sinalizam de forma perceptível o nosso mal-estar emocional e interno.

Quero ressalvar, no entanto, uma ideia, que se está a tornar muito habitual, a ideia de que quem fica deprimido ou apresenta alguma manifestação de desgaste físico, mental e emocional é alguém fraco ou incapaz. Para muitas pessoas só os fracos têm crises de pânico e ansiedade. Só os que se deixam cilindrar pela vida têm fibromialgia, gastrites, insónia, fobias. Nada poderia ser mais falso e mais afastado da realidade. São, isso sim, pessoas que atingiram o seu limite, que têm estado numa luta contínua e desgastante e já não conseguem carregar o fardo sozinhas. Não é prova de incapacidade ou de fragilidade, mas sim de luta constante e de desgaste interno muito intenso. E em muitas circunstâncias a ruptura e as consequências destas batalhas é tal, que muitos não conseguem encontrar o caminho de volta. Colocam-se então grandes questões, possivelmente as mais importantes: O que está ao meu alcance fazer? O que está dependente de mim? Como posso contrariar este desgaste constante? Como estruturar as minhas prioridades? O que preciso alterar na minha vida?

Há algumas regras de ouro que podem ajudar. Compreendamos cada uma delas como a estrutura base de uma boa prevenção na escalada de sofrimento interno:

– Ter consciência de que respiro e aprender a respirar.

– Treinar, pausadamente, a minha capacidade de, independentemente de onde estiver, conseguir parar e simplesmente concentrar-me na minha respiração.

– Praticar Yoga.

– Praticar exercício físico.

– Desenvolver a capacidade de conhecer as minhas emoções. Estar atento ao que sinto.

Não categorizar o que sinto como bom ou mau, positivo ou negativo. O que sinto é o que é.

– Treinar a capacidade de ‘deixar ir‘. Não prender as minhas emoções. Deixa-las fluir sem apegos ou sofrimento.

– Desenvolver a minha assertividade e congruência.

Aceitar que na vida há momentos de magoa e dor. Aceitar que na vida há momentos de perda.

– Encontrar sempre o melhor em cada situação. Há sempre um caminho no meio das nossas vivências e dificuldades.

– Aprender com os fracassos e os insucessos.

– TER A CAPACIDADE DE PERDOAR.

– TER A CAPACIDADE DE ME PERDOAR.

Tudo isto não é algo que possamos encomendar numa loja ou comprar on-line. Isto é um programa de vida e para a vida, algo que se constrói com o tempo e com a minha consciência. Numa ocasião alguém me perguntava quanto tempo levaria a atingir um patamar de bem-estar e felicidade aplicando estas técnicas e orientado-se por estas opções!? A resposta certa é uma vida inteira. Tudo isto é um projecto para a vida. Um projecto nunca concluído, sempre melhorado, sempre mais feliz e saudável. Não é uma meta em si mesmo, é um caminho.


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