Por Francisco Cruz,
responsável pela Coordenação da equipa de enfermagem
no Serviço de urgência Psiquiátrica do Hospital de São José
Por vezes quando reflectimos e nos questionamos sobre a vida, o seu sentido, ou a falta dele, as dificuldade que atravessamos, as milhentas opções e escolhas que temos de fazer no dia-a-dia e na singularidade de cada minuto, quase sempre sabemos como devemos orientar e mesmo que rumo dar à nossa vida, o que queremos e não queremos, aquilo de que gostamos e não gostamos.
No entanto, apesar deste entendimento e consciência, protelamos as decisões de forma indeterminada, arrastamos lutos não resolvidos; escondemos, debaixo das pedras da memória e do tempo, sofrimentos, angustias, medos.
Justificamos a nossa inépcia pelo excesso de trabalho, o excesso de preocupações, o tempo que não estica, a ordem na desordem das nossas prioridades, a falta de oportunidades. Criamos uma ladainha interior que activamos quando nos questionamos sobre a razão de ir por aqui e porque não por ali, porque aceitamos viver esta ou aquela situação que sabemos nos ira deixar profundamente miseráveis e infelizes. Estas justificações são os chavões que activamos para não actuarmos. Vestimos todos os dias as desculpas que assumimos como credíveis. Afinal o dia só tem 24 horas e temos tanta coisa para fazer, tantas decisões a tomar, tanta responsabilidade para carregar, que por vezes só um dia de cada vez não chega. Enquanto isso, quando paramos, ou a vida nos obriga a parar, percebemos que as nossas relações se vão degradando, que não conseguimos manter um relacionamento afectivo ou os que mantemos são instáveis, inseguros, frágeis; desistimos de tudo o que implica investimento, tempo, dedicação: mantemos interacções profissionais num instável equilíbrio, muitas vezes também, reflexo da instabilidade familiar que vivemos.
Esperamos que o amanhã seja melhor, projectamos isso num futuro, certo (?), incerto (?). E esperamos! Não temos tempo para apostar em nós, na nossa felicidade, naquilo que é de facto a essência da vida, o sermos felizes, o estarmos plenos.
Afinal o amanhã irá chegar. O pior é que o amanhã é sempre amanhã.
Quando somos levados quase ao limite das nossas forças sentimos que temos de activar algo em nós, que tem de acontecer um clique, que um interruptor qualquer tem de se ligar algures, dentro de nós. Sabemos, e temos tanta certeza disto como temos a certeza de qual o melhor caminho a seguir. Não conseguimos no entanto parar um pouco para ouvir com atenção. Não nos oferecemos a oportunidade de ter uma conversa interna, franca, verdadeira connosco mesmos. Fugimos de nós mais do que fugimos de qualquer outra pessoa ou coisa. Com os outros podemos criar justificações, desculpas, inventar historias e falsas memórias, mas connosco mesmos a história é outra. Como me continuar a enganar? Como manter uma mentira, que eu sei ser mentira? Como não revelar a mim própria a minha verdade? Como esconder o meu rosto?
Há quem diga que a verdade pode magoar, que encontrarmo-nos a nós mesmos é algo que dá trabalho, que implica sofrimento, maturidade, crescimento. Sim, tudo isso é verdade, mas só crescendo e passando por este processo de cura e de verdadeiro perdão interno podemos avançar para outros níveis de satisfação e de felicidade pessoal. Só podemos reduzir e tornar insignificantes os muitos sofrimentos que nos perseguem e que arrastamos quando os olhamos nos olhos, os entendemos, relativizamos e seguimos em frente.
Os budistas dizem que tudo é o que deve ser. Tudo acontece porque há um propósito para tal, que não conseguimos entender a globalidade do que nos rodeia, dos eventos e das pessoas que surgem na nossa vida, mas tudo isso está no lugar certo, tudo é perfeito. O grande desafio é tornarmo-nos conscientes do momento presente, do aqui e do agora, não de uma forma simbólica ou indiferente, mas entender que vivemos este momento, que ele é perfeito, que devemos e podemos transformar-nos agora, que está ao nosso alcance esta mutação, este passo para sermos mais plenos, mais felizes. Aumentamos a nossa consciência na capacidade transformadora, na nossa habilidade e resiliência para enfrentar a vida, os acontecimentos, os desafios de cada momento. Cada um de nós é o actor da sua vida, o argumentista, o realizador. Cada um de nós é quem verdadeiramente comanda, com toda a consciência, com toda a sabedoria, com todo o amor, com toda a determinação, com toda a complacência e misericórdia a sua caminhada e a sua vida. Nos somos a nossa vida.
Hoje, agora, aqui, neste momento singular, em que estou a ler estas linhas, é o momento perfeito para ser consciente da minha caminhada, do meu momento nesta vida, das minhas escolhas, das minhas limitações, das minhas perfeiçoes e imperfeições. Todo eu sou, aqui e agora, uma pluralidade de escolhas, um infinito de momentos que já vivi, que me fizeram chegar aqui.
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